25 e Sonhos - A Caminhada

Há exatos dois meses atrás no dia 25 de Agosto eu acordava com o sol nascendo  na janela do ônibus, deixando para trás a noite e iluminando a distinta vegetação do Chaco na poeira da estrada de terra, chegando em Bermejo, última cidade da Bolívia 200 KM antes da fronteira com o Paraguai. Passei o dia cruzando o Paraguai de uma ponta a quase outra, espantado, abismado com tudo que via, um país desertico em termos de população, com uma região norte, como a região norte do Brasil, Argentina e Bolívia muito pobre e abandonado, um Chaco encantador de arvores barrigudas que davam algodão silvestre nas suas pontas que coloriam de branco o Chaco escuro de céu azul, repleto de árvores e galhos secos e contorcidos, trocando muitas idéias com o amigo caminhante brasileiro que eu acabara de conhecer na fronteira e que viaja ha 7 anos, vendo o Paraguai se revelar prus olhos e prus sentidos. Chegava às 23:00 horas em Assunção, com 25 anos, 25 horas de viagem sentado na poltrona de número 25 no dia 25! 

Havia começado minha viagem uma semana atrás saíndo de Brasília, o Paraguai foi uma experiência muito intensa por tudo que vivi com sua gente, sua cultura, sua resistência e pelos Sonhos, como o que tive 2 semanas antes de começar a viagem; estava eu no sonho, de frente para o Rio Doce, com as aguas negras como a noite, na margem do lado da ilha dos araújos, bairro aqui da minha Governador Valadares onde cresci meus primeiros tempos de vida, eu tinha que atravessar o Rio, era a noite e a balsa tinha acabado de sair, eu olhei pra outra margem que era o outro país que tinha que chegar e me joguei na água, balancei no redemunho da água noturna, meu grande amigo irmão Victor pernambucano que faz letras espanhol também lá na unb, que viajamos eu, ele e meu outro grande amigo Fábio, de La Paz na Bolívia até Belém do Pará em Janeiro desse ano, cortando a gigantesca amazônia, Vitão me jogou um salva vidas! Eis que cheguei ao outro lado, estava no Paraguai. 


Caminhei pelas ruas do Paraguai, sabia que tinha algum tempo antes de partir  de novo dalí daquele ponto de chegada, caminhei em uns becos estreitos como os de alguns bairros da periferia de Valadares de frente para o Rio, para a ilha, logo mais a frente encontrei um lugar mais ao fundo, uma arvoré e várias pessoas conversando, escuro. Em pouco tempo eu brigava com um amigo de Brasília, que por aqueles tempos do sonho, andavamos mesmo na realidade meio que prestes a brigar por bobagem, um amigo, brigamos um pouco e pronto, foi como um desabafo a briga,  eu o joguei com uma força enorme ao outro lado e acabou, voltei caminhando pelos corredores entre casa, no meio do caminho lembrei que estava sem o passaporte, que o passaporte havia ficado com o meu amigo da briga, pensei, como vou pegar o barco para atravessar de novo o rio, segui caminhando preocupado, logo cheguei ao embarque onde havia chegado nadando, era de madrugada, era a última balsa, eu estava sem o passaporte e não podia sair do país, eu querendo pular a barreira e entrar na balsa ou pular na água, uma policial e um policial atraz de mim, eu olhei e vi em seus olhos que eles sabiam da minha vontade de pular e me pegariam antes que eu saltasse, apagou-se, não lembro se pulei; estou meio que deitado, é de dia,  primeiro me vejo como que navegando chegando a uma grande cidade e logo estou dentro de um coletivo olhando para os prédios altos, estou na Colômbia, a Colômbia é muito diferente do que eu pensava, quantos prédios altos, olho as ruas, penso em quanto a Colômbia é diferente do que eu pensava. Acordei.

Esse sonho tive cerca de 2 semanas antes di partir de Brasília no dia 18 de Agosto,  e foi tão simbólico naquele momento de espera para chegar a hora da partida, que foi pra mim como o início simbólico da viagem, duas semanas antes!
 


Contado o sonho, eis que vamos a realidade posterior. Chegou o tão esperado dia 18 e parti rumo aos desconhecidos, cheguei na fronteira Corumbá – Brasil com Puerto Quijarro – Bolívia, e eis que na migração depois de ter garantido minha entrada com o passaporte carimbado, me vejo em uma situação de ter meu passaporte tirado das minhas mãos, anulado a entrada e eu e mais dois amigos brasileiros que tinha acabado de conhecer, nos vemos sendo obrigados a pagar uma propina, conto contado aqui no inicio da viagem, na quase uma hora de espera e negociação com os policias para devolverem  meu visto de entrada, o sonho me veio com emoção, eu estava na primeira fronteira, sem poder seguir, com os policias, vendo minha entrada impossibilitada, eu tinha simbolicamente feito uma travessia para chegar na fronteira, de Brasília a Campo Grande e depois até Corumbá, trejeto-rio, fui lendo e relendo o A Terceira Margem do Rio do Primeiras Estórias do velho Rosa,  lendo e chorando, a travessia que é a vida tão genialmente e sentimentalmente captada, Guimarães Rosa pra mim é o gênio da sensibilidade, e como no sonho, chegando na outra margem que era uma fronteira, na hora de seguir também no mundo real, eu estava também sem o passaporte simbolicamente naquele momento, fiquei vivendo a situação re-lembrando dele, que eu tinha esquecido, o Sonho, vivo!


No dia 25 de Agosto quando eu chegava na segunda fronteira da viagem, Bolívia - Paraguai, o policia boliviano, de novo, embarrerou meu caminho, soou extranho  para ele o anulado que eu tinha ganho no primeiro carimbo do passaporte, e abaixo do anulado outro carimbo de entrada. O sonho foi certeiro quanto às primeiras fronteiras e o passaporte!


A viagem seguiu intensificando-se, cheguei em Santa Cruz e no mesmo dia em uma decisão de última hora, sem estar previsto, como quase todos os caminhos sem muito planejamento, segui a noite de ônibus para Beni, a terceira noite durmida dentro de um ônibus em 4 noites seguidas dormidas nos ônibus e no trem.

Depois de bater bastante papo com a senhora que viajou ao meu lado, Sonhei que estava em um descampado de morro pequeno com um mato claro todo seco, e um pouco alto, resumindo bem esse sonho pra esse texto não ficar demasiado extenso, eu tava no meio do mato com minha moto, olhava a moto que meu amigo Andrés havia comprado, era a que ele queria comprar, fiquei feliz por ele, depois fui ver não era e perguntei porque tinha mudado de escolha, uma outra moto chegou do meu lado e reparei que era bem velha, foi aparecendo mais motos e no meio dessas motos todas eu acordei, olhei pela janela e o sol estava nascendo na lateral do ônibus, um sol rosa subindo com vigor, trazendo o sábado, eis que chegava em Trinidad, capital do estado, lá chamado departamento, de Beni. 

Junto com Santa Cruz, Tarija e Pando os 4 estados dos 9 da Bolívia que têm como governantes os representates da direita e ultra-direita Boliviana, chamados de estados da Meia Lua, são os estados que concentram os maiores latifundiários da pequena elite de poucos espanhois que sempre foram os donos das riquezas e das terras do país na história dos séculos  de dominação, dizimações e roubo aos povos que viviam neste continente, até a eleição do primeiro indígena para a presidência em 2005, uma minoria de menos de 5% era dona de tudo, em um país onde 80% da população são indígenas, sendo 60% dessa população total - indígenas originários.  No entanto esses poucos senhores detêm as terras e riquezas naturais desses 4 estados, o gás de Tarija ao sul, as terras dos dois maiores estados em território da Bolívia -  Beni e Santa Cruz, com muito latifundio, a terra dos povos originários toda na mão de poucos coroneis, mais vivos do que nunca. Beni e sua capital Trinidad sempre que eu tentei ir nas outras duas viagens que fiz a Bolívia, acabei só conhecendo o norte de Beni, a fronteira da Bolívia com o Brasil, Guajará-mirim - Rondônia,  pois sempre tinha uma estrada caída ou um bloqueio político, essa viagem por exemplo até o último instante nós passageiros teríamos que cruzar a pé o bloqueio para depois tomar outro ônibus que nos esperaria depois do bloqueio e etc, só uma empresa  de ônibus estava fazendo o trajeto naquele, de umas 10 empresas.. O protesto se levantou pouco antes da nossa saída às 20h de Santa Cruz, daí pude sonhar tranquilo o que logo vivi!


Conversei mais um pouco com a simpatiza vovó que tava do meu lado, no tempo que conversamos antes de durmimos e quando acordamos, me adotou como um neto, perguntando tudo, de onde eu era, pra onde ia, se meus pais não se preocupavam deu viajar sozinho, como era o Brasil, e etc, e eu como netinho enchi ela de perguntas também, sobre a Bolívia, Evo, Cultura e etc!


O ônibus foi chegando na cidade, o dia começava a clarear em Trinidad e as motos já estavam circulando, as primeiras imagens que tive da janela do ônibus depois do nascer do sol foi de motos passando ao lado do ônibus. Desci na rodoviária e caminhei nas ruas em volta à rodoviária procurando um hotelzinho bem barato, não encontrei, comecei a perguntar como chegar ao centro, caminhei mais algumas ruas pra ir vendo como era a cidade e só via motos, cada vez mais motos, todo mundo sem capacete, as vezes vários na moto, digo, 5 por moto, as vezes fazendo até mudança ou levando cargas de trabalho, caminhando e admirando o quanto tinha mudado tudo de Santa Cruz pra Beni e o quanto Beni era diferente das outras 7 capitais que conheci da Bolívia, estava caminhando encantado com os primeiros desvendamentos sobre Trinidad, eis que lembrei do sonho que acabava de ter tido no ônibus, um monte de motos, peguei um moto táxi até o centro, fui sorrindo com os mistérios dessa vida e com o infinito diverso que é a espécie humana.


Voltando ao sonho que começou a viagem bem antes da viagem começar e que marcou o episodio relacionado com a fronteira e o passaporte, cheguei no Paraguai no dia 25 e dormi de frente pra rodoviária, no dia 26 tomei com o novo amigo Jonny um coletivo, passamos mais de uma hora nesse coletivo, iamos rumo a conhecer o centro de Assunção, fui na janelinha sorrindo pro Paraguai, pensando no quanto desde que cruzei o país no dia anterior, era diferente de tudo que eu tinha imaginado, até porque o tudo que eu tinha imaginado é quase nada, pois as únicas coisas que os grandes meios de comunicação do Brasil já me disseram do Paraguai é que tem uma ponte onde faz contrabando pro Brasil e que causa prejuízo as grandes companhias trans-nacionais de cigarros e etc.. 

Estava deslumbrando o Paraguai na janela do ônibus quando senti e vi imagens parecidas e o mesmo sentimento de um momento sentido como já vivido, porém vivido no sonho, chegando a uma grande cidade muito diferente do que pensava antes de conhece-la,  igualzinho a sensação que tive no sonho chegando no que eu pensava ser a Colombia, impressionado com a surpresa segui sorrindo prus mistérios, dois senhores tocaram uma linda canção  paraguaia em espanhol e guarani no coletivo, eu e o Paraguai nos saudávamos pelo caminho repleto de ipês rosa!

Um mês depois deste 25 de Agosto em que chegava no Paraguai e iniciava recém minha viagem, no 25 de Setembro na Argentina há mais de 20 dias, dormi das 01h da manhã às 03h, fui para o Aeroporto de Buenos Aires e tomei um vôo para São Paulo às 06:00h, depois outro na escala para Belo Horizonte, onde encontrei ao meio dia meu pai que me esperava, demos um forte abraço, seguramos o choro os dois que mais forte que nós dois saíu um pouco dos nossos olhos, falei com minha mãe ao telefone e choramos e com minha irmã em seguida e choramos, de lá de BH outro vôo pra Ipatinga e depois uma pequena viagem de carro até Valadares, eu chegava na minha cidade natal às 20horas daquele 25, meus parentes me receberam, meu tio médico e minha tia enfermeira me avaliaram, a vó chorou na hora que me viu, eu estava muito magro, amarelo, mas sorrindo sempre. Segui para o hospital onde passei 6 horas tomando soro, como tinha passado os últimos 5 dias em Buenos Aires vomitando tudo que comia ou bebia, estava além de fraco e  com o fígado muito debilitado, um pouco desidratado.. Na madruga minha mãe me levou pra casa, segui mais 6 dias na angustia de não saber o que tinha, qual era a hepatite e se havia algum outro problema, no dia 01 de Outubro recebi o resultado, era hepatite A, a mais tranquila, 1 mês  de repouso e tá sarado, como estou agora, e outro pequeno probleminha de nada que em breve se resolverá tb!


Hoje, dia 25 de Outubro acordei cedo, li um pouco e fui para a casa da vó, o tradicional  almoço de domingo da família ramalho, comer o arrozim melhor do mundo da minha vó miquita junto com os primos e primas, tios e tias, estou recuperado, dos 9 kilos que perdi recuperei 6, o amarelo se foi e as cores todas voltaram, há 3 dias voltei a caminhar, caminhei pelas ruas da minha cidade, cada rua, esquina, contrução, caminhantes loucos da rua, tudo que vejo na minha cidade é a história da minha vida, aqui vivi 18 anos  continuos da minha vida, tudo está encantado de memórias do passado onde as ruas, as pessoas, tudo, eram vistos nesse passado com outros óculos, tinham uma outra amplitude e tamanho, cerca de 8 anos depois de ter me ido a caminhar por tudo que é canto e viver nuns outros cantos, vindo aqui uma vez por ano de menos de dez dias, por conta do trabalho e estudo em Brasília, as pessoas que conhecia se foram, viraram homens e mulheres, com filhos, casados, estudantes, não os vejo, tomaram caminhos, o sentimento de desconhecido no ninho, a volta a Valadares está sendo uma caminhada rumo ao interior, com o baque da experiência vivida com a saúde, que demonstrou-me o quanto a vida é um instante, o quanto a vida, frase que me soprava por esses dias no ouvído carinhosamente Clarice Lispector, “A Vida é um Sopro”, a proximidade com a morte, que tenho no meu cotidiano porque sou motoqueiro e sei que a vida pode ir-se na próxima curva sempre se não tomar cuidado ou se o acaso me escolher, e saber disso sempre é o que garante a vida do motoqueiro, risos, mas nada comparável a sentir a fragilidade da efêmera vida humana, vista do ponto de vista prático, por alguém que não adoecia a quase 20 anos e não contava com tal possibilidade, a experiência pelo seu completo, depois da submerção a que me inseri involuntariamente, voltei a caminhar e sentir aqui, minha cidade e minha gente, meu sertão, e daqui partir como tantas outras vezes parti, renovado, preparado pros tantos outros sertões dessa nossa vida!


Quando de fato entrei na fase de se curar da hepatite, depois de toda a turbência dos 15 primeiros dias, eu não sonhava ou se sonhava não era coisa boa e eu naum lembrava de nada, só me mechia a noite inteira, eis que voltei a Sonhar e lembrar, sonhei que estava de frente a um rio, indo a fazer uma travessia, pensando e analisando a correnteza forte e a canoinha de madeira frágil, tinha uma máquina de filmar no canto da canoa, no resto cabia apenas eu com a perna esticada, eu só, teria que remar pra conseguir atravessar o rio em linha reta, a água do rio era densa e parecia uma coisa só a forte correnteza, analisei e me orientei com um senhor que estava atras de mim, perguntei como fazer para chegar por terra, escolhi esse outro caminho que era muito mais longo que o de atravessar o rio e a pequena floresta. Todas essas imagens, eu de frente pro rio, foi como o conto A TERCEIRA MARGEM DO RIO quando o pai está partindo, e quando acordei lembrei-me imediatamente do primeiro sonho que marcou a primeira fase dessa viagem, só que dessa vez era dia, eu não me joguei nas águas com a canoa, decidi o maior caminho por terra, pra chegar na cidade que tinha depois da floresta do outro lado da margem, tinha que pegar um ônibus nessa cidade e depois outro em outra cidade e de lá  sim seguir viajando.. Voltei o caminho numa pampa branca sozinho, decidi passar em casa antes e pegar roupa, estava indo viajar sem roupa nenhuma, segui um caminho de estrada de chão descendo uma montanha em circulos, uma hora em que a pampa velha branca quase caía na ribanceira eu hesitei em parar e tentar manobrar, segui virando, descendo, e a decisão de não dar marchá ré e seguir, deu certo; Acordei. 

Este sonho teve tantas coisas simbólicas que marcou o outro início dessa viagem, que já está retomada fisicamente, sempre seguiu espiritualmente, o caminhar do nome desse blogui que significa sentir, só se senti se permitindo sentir, so se senti sonhando, Vivendo. Disse-me Victor Hugo esses dias quando eu pensava no quanto os sonhos que temos, tanto dormindo quanto acordados, estão criando as realidades: “Não há nada como o sonho para criar o futuro, utopia hoje, carne e osso amanhã"


Beijos neste dia 25, aos 25 anos, de sonho e de luta, e de América do Sul! 
Diogo

3 comentários:

Mila disse...

Querido amigo!

Sonhar é mesmo um mistério, e às vezes temos muitos sinais, basta seguir a intuição...sentir com o pensamento, pensar com emoção!

Beijos.

Luana disse...

Como uma barragem recém aberta na savana, é assim que transbordo sabendo de sua melhora.

“sonhar é acordar-se para dentro” Quintana

besitos
Luana

Eliara... disse...

olá, muito bom seu blog; estou encantada com seus relatos da viagem.

Parabéns...

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